sexta-feira, outubro 11, 2024
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Quase 100 mil brasileiros conseguiram cidadania portuguesa desde 2010; agora, netos têm direito

Netos de portugueses nascidos fora do país europeu agora poderão pedir a nacionalidade portuguesa independentemente da situação de seus pais.
 
Na quinta-feira, o Conselho de Ministros de Portugal aprovou modificações na lei de nacionalidade que estabelecem novas regras para descendentes de portugueses.
 
O decreto-lei vai entrar em vigor no primeiro mês após a data da sua publicação e preenche uma lacuna que existia desde 2015, quando essas mudanças foram aprovadas pelo Parlamento sem depois terem sido regulamentadas.
 
A legislação anterior abordava duas situações distintas no caso dos netos de cidadão lusos. Se o progenitor descendente de portugueses ainda fosse vivo, seria exigido que ele ou ela obtivessem a cidadania para só depois repassar aos filhos.
 
Caso já tivesse morrido, a obtenção direta pelos avós poderia ocorrer, mas seria atribuída a cidadania por naturalização e não a nacionalidade originária, comum nos casos de ascendência.
 
Com a aprovação das novas regras, para que possam conseguir a nacionalidade, os netos de portugueses devem ter “laços de efetiva ligação à comunidade nacional” e declarar que “querem ser portugueses”.
 
A fim de provar esses laços, o neto deve, além de comprovar a residência legal em território português, ter participado regularmente, ao longo dos cinco anos anteriores à data do pedido, na vida cultural da comunidade portuguesa do país onde morava. Segundo o documento, isso significa participação das “atividades de associações culturais e recreativas dessas comunidades”.
 
Outro critério é que não tenham sido condenados pela “prática de crime punível com pena de prisão de máximo igual ou superior a três anos (segundo a lei portuguesa)”.
 
A alteração aprovada na quinta-feira simplifica de forma geral os processos de naturalização e aquisição de nacionalidade, porque presume que os interessados naturais e nacionais de todos os países que tenham o português como língua oficial há pelo menos dez anos e que residam em Portugal há pelos menos cinco já têm conhecimento da língua portuguesa.
 
Dessa forma, esses cidadãos não precisam comprovar seu conhecimento da língua.
Os descendentes de sefarditas – judeus expulsos de Portugal no século XV e XVI – também terão o processo facilitado.
 
Pedidos de nacionalidade
Intensificado pela concessão de cidadania por naturalização a netos de portugueses – que estava vedada até 2006, o fenômeno da dupla cidadania entre Brasil e Portugal pode crescer ainda mais com as novas regras.
 
Segundo dados fornecidos à BBC Brasil pelo Ministério da Justiça luso, 87.033 cidadanias foram concedidas a brasileiros somente entre 2010 e 2016.
 
De acordo com especialistas em imigração, a facilitação do processo de nacionalidade é benéfica para Portugal, uma vez que estimula a chegada de brasileiros em idade ativa a um país que luta contra a diminuição e o envelhecimento de sua população.
 
O relatório “Estado da População Mundial”, publicado no fim do ano passado pela ONU, aponta que a população lusa se reduziu em média 0,4% por ano entre 2010 e 2016. Além disso, 21% dos moradores de Portugal já completaram 65 anos de idade, o que coloca o país europeu como um dos quatro mais envelhecidos do estudo.
 
Em um pronunciamento recente ao Parlamento, o presidente do Conselho Econômico e Social português, Correia de Campos, chegou a afirmar que Portugal precisa de cerca “900 mil trabalhadores imigrantes” para obter “um crescimento por volta dos 3%” do seu Produto Interno Bruto (PIB). O país tem hoje pouco menos de 400 mil imigrantes.
 
Mas a concessão da nacionalidade não é vantajosa apenas para Portugal. Com o passaporte do país, os brasileiros passam a ter acesso livre aos Estados-membros da União Europeia e estão dispensados de vistos para visitar 170 países, entre os quais Estados Unidos e Japão.
 
Antes da aprovação do decreto, os brasileiros que não viviam em Portugal poderiam obter a nacionalidade se tivessem ascendência lusa, se fosse casados ou estivessem em união estável com um português há, pelo menos, três anos e até mesmo se conseguissem comprovar que eram descendentes de judeus sefarditas.
 
O solicitante poderia apresentar o processo para obter a cidadania no serviço consular português da sua área de residência ou então diretamente nas Conservatórias do Registro Civil em Portugal.
 
Existe ainda a possibilidade de se obter a cidadania para descendentes a partir da terceira geração de portugueses, como nos casos dos bisavós, mas isso só acontece em raras ocasiões.
 
“A cidadania nesse caso depende do poder discricionário do Ministério da Justiça português. A lei se refere a uma possibilidade e não a um direito certo de quem deseja a nacionalidade por ser bisneto”, explicou à BBC Brasil a advogada luso-brasileira Adriana Silva.
 
Na prática, para que um estrangeiro obtenha diretamente a cidadania de um bisavô, ele tem de demonstrar uma forte ligação com Portugal, como já residir no país europeu há algum tempo ou possuir laços familiares com nacionais portugueses de origem. Ainda assim, o pedido pode ser recusado pelas autoridades lusas.
 
Tipos de nacionalidade
Há dois tipos de nacionalidade atribuídos pelo Estado português a estrangeiros: a originária, à qual todos os descendentes de pai ou mãe lusos têm direito – agora, aberta também aos netos. E a cidadania por naturalização, concedida apenas se o solicitante comprovar uma série de requisitos.
Para que um candidato possa se naturalizar português, ele não pode ter sido condenado por crimes com pena de prisão igual ou superior a três anos segundo a lei portuguesa.
 
A legislação em vigor especifica ainda que o solicitante não pode ter exercido “funções públicas sem caráter predominantemente técnico a Estado estrangeiro”. Segundo especialistas portugueses em legislação, essa limitação não diz respeito a trabalhadores públicos concursados, mas a pessoas que assumiram cargos em que foram elevadas ao status de “autoridade pública”, como secretariados, ministérios ou postos diplomáticos.
 
A lei também não permite que o solicitante da naturalização tenha “prestado serviço militar não obrigatório a Estado estrangeiro”. No caso dos brasileiros, isso significa ter seguido carreira nas Forças Armadas para além do serviço obrigatório.
A obtenção de um ou outro tipo de nacionalidade não representa risco de perder a cidadania brasileira. No entanto, há diferenças no direito de transferir a nacionalidade lusa aos descendentes.
 
Os portadores da nacionalidade originária podem repassar livremente esse direito aos filhos, que também poderão transferir aos seus filhos e assim sucessivamente, sem qualquer limitação futura.
 
Já os naturalizados portugueses só poderão transferir a cidadania aos filhos menores de 18 anos ou que tenham nascido após o progenitor ter se tornado cidadão luso. Os filhos que puderem obter a nacionalidade também terão o direito de repassar às gerações futuras.
 
Filhos de portugueses
Todos os filhos de portugueses – nascidos ou não em Portugal – já tinham e mantêm o direito de requerer a nacionalidade lusa originária. Para isso, é preciso manifestar-se oficialmente através de um requerimento próprio que deve ser entregue com assinatura reconhecida em um cartório brasileiro. No caso dos menores de idade, o documento deve ser assinado por ambos os pais.
 
Também é necessário apresentar documentos que comprovem a nacionalidade portuguesa do ascendente direto, como o cartão de cidadão (a carteira de identidade lusa), passaporte ou certidão de nascimento.
 
O descendente que tiver interesse em obter a cidadania deve ainda apresentar original e cópia da sua certidão de nascimento, emitida há menos de um ano; a certidão de nascimento do progenitor que não for português; original e cópia autenticada da carteira de identidade; original e cópia da carteira de motorista ou do passaporte; uma foto 3×4 colorida tirada há menos de um ano; envelope para devolução dos documentos já com os dados do requerente no destinatário, e comprovante de residência.
 
O requerente também precisa apresentar o comprovante de pagamento da solicitação de cidadania, sem o qual o processo será devolvido.
 
Em outubro do ano passado, o Brasil passou fazer parte do grupo de países signatários da Convenção da Apostila da Haia, o que eliminou a necessidade de autenticação de documentos públicos brasileiros num serviço consular luso.
 
Agora, para que um documento seja considerado autenticado para os serviços portugueses, basta se dirigir a um cartório brasileiro que forneça esse serviço e solicitar a emissão de uma “Apostila da Haia”. As cópias de todos os documentos devem passar por essa autenticação para serem validadas.
 
Cônjuges e parceiros de portugueses
Brasileiros casados com portugueses há pelo menos três anos também podem solicitar a cidadania por naturalização. Para isso, é preciso que o casamento já se encontre transcrito em Portugal, ou seja, que conste a averbação da união no local de nascimento do cidadão luso.
 
O interessado deve apresentar um requerimento próprio com assinatura reconhecida em um cartório brasileiro; original e cópia das certidões de nascimento e casamento, ambas emitidas há menos de um ano; cópia autenticada do RG ou cópia autenticada do passaporte, caso a carteira de identidade não seja recente, e atestado de antecedentes criminais de todos os países em que já morou. Além disso, é preciso encaminhar um pagamento via Cheque Bancário ou Dinheiro Certo Internacional no valor de 250 euros (cerca de R$ 820 no câmbio atual).
 
Os brasileiros que vivem em união estável com um cidadão português há no mínimo três anos também podem solicitar a cidadania, mas o procedimento é mais complexo. Segundo o Consulado Geral de Portugal em São Paulo, “para dar entrada nesse processo é necessário que a união estável seja reconhecida por sentença judicial brasileira e, sequencialmente, seja revista e confirmada pelo competente tribunal português”.
 
A representação diplomática lusa explica que, para efetuar a revisão e confirmação da união estável, o requerente deverá contratar um advogado diretamente em Portugal, que informará quais documentos devem ser apresentados, dependendo de cada caso.
 
Tanto o casamento quanto a união estável entre pessoas de mesmo sexo são legalmente reconhecidos em Portugal, portanto os casais gays inseridos em ambos os casos têm os mesmos direitos dos casais heterossexuais.
 
Descendentes de judeus sefarditas
Desde outubro de 2015, o governo luso adotou uma medida que pode beneficiar milhares de brasileiros: a concessão de cidadania a descentes dos judeus sefarditas, que foram expulsos da Península Ibérica no século 15.
 
Para ter direito à cidadania como descendente de sefardita, é preciso que o requerente obtenha o Certificado da Comunidade Judaica Portuguesa, documento emitido pelas comunidades israelitas de Lisboa e do Porto.
 
Na ausência desse certificado, o solicitante pode apresentar um documento alternativo que comprove a sua ascendência sefardita, como registros de sinagogas e cemitérios judaicos, títulos de residência, títulos de propriedade, testamentos e outros comprovativos de ligação familiar à Comunidade Sefardita de origem portuguesa.
 
Estima-se que 40 mil judeus sefarditas vivam atualmente no Brasil, mas o número de beneficiados por essa medida pode ser consideravelmente maior, já que a lei não especifica que somente os praticantes do judaísmo têm direito à cidadania. Até o fim do ano passado, 39 brasileiros tinham conseguido se tornar portugueses graças a essa lei, de acordo com o Ministério da Justiça luso.
 
As mudanças na lei de nacionalidade facilitam ainda mais o processo para esse grupo, porque põem fim ao regime específico de demonstração de ligação à comunidade nacional que era exigido dos descendentes menores e incapazes.
 
Prazos e custos
Segundo o Consulado Geral de Portugal em São Paulo informou em março, o número elevado de pedidos de cidadania estava gerando atrasos no processamento das solicitações em Portugal. A representação diplomática disse que a resposta aos pedidos iniciais estavam saindo, em geral, seis meses após a entrega dos documentos.
 
Depois desse primeiro passo, o requerente é contatado pelas autoridades portuguesas e só então poderá solicitar um documento luso, como o cartão de cidadão ou a transcrição do casamento.
 
O custo do processo varia de caso a caso, dependendo de qual solicitação será realizada e do número de documentos que o requerente já tem em mãos. No caso dos descendentes de judeus sefarditas, por exemplo, o custo global do processo dificilmente será inferior a 1 mil euros (cerca de R$ 3,3 mil).
 
O interessado em obter a cidadania lusa também pode entrar com o processo diretamente em Portugal, o que reduzirá o tempo de espera, mas aumentará os custos.
 
“Se a documentação estiver completa, o processo todo pode estar concluído em apenas seis meses. O custo total nos casos em que não há problemas com a documentação gira em torno dos 2.250 euros (cerca de R$ 7.500), sendo 750 euros (R$ 2.500) em taxas e outros 1.500 euros (R$ 5.000) em honorários”, diz à BBC Brasil a advogada lusa Cláudia Santos, que trabalha com pedidos de cidadania.
 
A crise populacional também tem levado Portugal a estudar maneiras de facilitar a obtenção de vistos para cidadãos de fora da União Europeia.
 
O atual governo luso incluiu nas suas propostas a concessão de um visto temporário de seis meses para estrangeiros interessados em procurar trabalho no país, mas a medida ainda não começou a ser debatida.
 
Um caminho de imigração seguido por brasileiros sem ascendência portuguesa é a compra de imóveis ou investimentos no país europeu. Esse programa, denominado ‘Vistos Gold’, beneficia estrangeiros que transfiram ao país a partir de 1 milhão de euros (R$ 3,3 milhões), comprem imóveis a partir de 350 mil euros (R$ 1,15 milhão) ou iniciem negócios que criem ao menos 10 postos de trabalho em Portugal.
 
Entre outubro de 2012, quando o programa foi implantado, e fevereiro de 2017, 319 brasileiros se beneficiaram dos ‘Vistos Gold’, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal.
 
Fonte: BBC / Globo
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